O papel do educador na Pedagogia Sistêmica: Muito além da transmissão de conteúdos
- Danielle Natale
- 25 de jul.
- 6 min de leitura

Na educação tradicional, o papel do professor é frequentemente definido como transmissor de conhecimentos e avaliador de aprendizagens. A Pedagogia Sistêmica, no entanto, propõe uma transformação profunda nessa concepção, convidando o educador a assumir uma postura que vai muito além da didática e dos conteúdos curriculares. Neste artigo, exploraremos como o educador pode incorporar os princípios sistêmicos em sua prática diária, transformando não apenas sua atuação profissional, mas também sua relação consigo mesmo e com toda a comunidade escolar.
O educador como observador fenomenológico
Na abordagem sistêmica, o primeiro movimento do educador é desenvolver o que chamamos de "postura fenomenológica" – a capacidade de observar o que acontece sem julgamentos imediatos, sem a pressa de interpretar ou intervir. Esta postura envolve:
1. Olhar o que é
Observar a realidade tal como ela se apresenta, não como gostaríamos que fosse. Isso significa ver o aluno real, não o aluno idealizado, e a família real, não a família que consideramos "adequada".
Prática diária: Reserve alguns minutos no início do dia para simplesmente observar sua turma, sem fazer anotações ou intervenções. Apenas perceba: Quem está presente? Como estão? Que energia trazem hoje?
2. Suspender julgamentos
Adiar conclusões rápidas sobre comportamentos ou dificuldades, reconhecendo que há sempre mais do que podemos ver à primeira vista.
Prática diária: Quando um comportamento desafiador surgir, respire profundamente e pergunte-se: "O que mais pode estar acontecendo aqui que ainda não consigo ver?"
3. Perceber padrões e conexões
Desenvolver a sensibilidade para identificar repetições, padrões relacionais e conexões entre eventos aparentemente isolados.
Prática diária: Mantenha um diário de observações onde você registra padrões recorrentes em sua sala de aula ou em alunos específicos, buscando conexões com eventos ou mudanças no sistema escolar ou familiar.
O educador como guardião das Ordens do Amor
Na Pedagogia Sistêmica, o educador assume o papel de guardião das três Ordens do Amor no ambiente escolar:
1. Guardião do Pertencimento
O educador sistêmico garante que todos tenham seu lugar reconhecido e respeitado, independentemente de desempenho acadêmico, comportamento ou origem.
Práticas concretas:
• Criar rituais de acolhimento diários que reconheçam a presença de cada aluno.
• Garantir que nenhum aluno seja invisibilizado ou excluído sutilmente.
• Incluir simbolicamente alunos ausentes (por doença ou transferência).
• Reconhecer e honrar a diversidade de histórias familiares.
Frase sistêmica: "Nesta sala, há lugar para todos, exatamente como são."
2. Guardião da Ordem
O educador sistêmico respeita e faz respeitar a ordem natural dos sistemas, reconhecendo que:
• Os pais vêm antes dos professores.
• Os professores anteriores abriram caminho.
• A direção e fundadores da escola têm precedência.
• Há uma hierarquia funcional que precisa ser clara.
Práticas concretas:
• Falar respeitosamente sobre os pais, mesmo quando discorda de suas escolhas.
• Honrar o trabalho dos educadores que vieram antes.
• Reconhecer a autoridade da direção escolar.
• Estabelecer clareza sobre papéis e responsabilidades em sala.
Frase sistêmica: "Respeito profundamente seus pais e o lugar deles em sua vida. Estou aqui para complementar, não para substituir."
3. Guardião do Equilíbrio de Troca
O educador sistêmico busca o equilíbrio nas trocas, garantindo que:
• Há equilíbrio entre exigência e acolhimento.
• O dar e receber flui naturalmente.
• Cada um carrega suas próprias responsabilidades.
• Os limites são claros e consistentes.
Práticas concretas:
• Estabelecer combinados claros e consequências lógicas.
• Evitar fazer pelo aluno o que ele pode fazer sozinho.
• Reconhecer e valorizar o esforço, não apenas o resultado.
• Permitir que os alunos enfrentem desafios apropriados à sua idade.
Frase sistêmica: "Confio que você pode lidar com este desafio. Estou aqui para apoiar, não para carregar por você."
O educador como ponte entre sistemas
Na perspectiva sistêmica, o educador atua como uma ponte vital entre diferentes sistemas que influenciam a vida do aluno:
1. Ponte entre família e escola
O educador sistêmico reconhece que não pode educar verdadeiramente sem a parceria com a família, e trabalha ativamente para:
• Criar canais de comunicação respeitosos e eficientes.
• Incluir a sabedoria familiar no planejamento pedagógico.
• Evitar julgamentos sobre estruturas ou escolhas familiares.
• Reconhecer os pais como primeiros e principais educadores.
Prática transformadora: Inicie o ano letivo com uma "Roda de Histórias Familiares", onde os pais são convidados a compartilhar brevemente algo significativo sobre a história de sua família ou sobre as origens do nome de seu filho.
2. Ponte entre passado e futuro
O educador sistêmico compreende que cada aluno traz consigo uma história que precede sua existência individual:
• Histórias familiares de sucesso ou fracasso escolar.
• Experiências educacionais das gerações anteriores.
• Valores culturais relacionados à educação.
• Expectativas e medos transmitidos intergeracionalmente.
Prática transformadora: Crie um projeto chamado "Raízes e Asas", onde os alunos pesquisam a história educacional de suas famílias (até onde conseguirem) e refletem sobre como isso influencia sua própria relação com o aprendizado.
3. Ponte entre o individual e o coletivo
O educador sistêmico equilibra constantemente as necessidades individuais com as dinâmicas do grupo:
• Reconhece cada aluno em sua singularidade.
• Fortalece o sentimento de pertencimento ao coletivo.
• Trabalha com as dinâmicas relacionais da turma.
• Percebe a sala de aula como um sistema vivo e interconectado.
Prática transformadora: Implemente "Círculos de Pertencimento" semanais, onde a turma se reúne para compartilhar percepções, resolver conflitos e celebrar conquistas coletivas e individuais.
O autocuidado do educador na perspectiva sistêmica
Um aspecto frequentemente negligenciado, mas fundamental na Pedagogia Sistêmica, é o autocuidado do educador. Na perspectiva sistêmica, o bem-estar do professor não é um luxo, mas uma necessidade para o funcionamento saudável de todo o sistema educacional.
1. Reconhecer o próprio lugar
O educador sistêmico compreende e aceita os limites de seu papel:
• Não é responsável por "salvar" alunos ou famílias.
• Não pode substituir o papel dos pais.
• Tem autoridade em seu campo específico de atuação.
• Precisa respeitar suas próprias limitações.
Prática de autocuidado: Crie um ritual pessoal para iniciar e encerrar seu dia de trabalho, marcando simbolicamente a transição entre os papéis profissional e pessoal.
2. Cuidar da própria história
O educador sistêmico reconhece que sua própria história familiar e educacional influencia sua prática:
• Memórias de sua vida escolar.
• Relação com figuras de autoridade.
• Experiências de inclusão ou exclusão.
• Padrões familiares relacionados à educação.
Prática de autocuidado: Faça sua própria "autobiografia educacional", refletindo sobre como suas experiências como aluno influenciam sua atuação como educador.
3. Buscar apoio e formação contínua
O educador sistêmico reconhece a importância de:
• Participar de grupos de estudo e reflexão.
• Buscar supervisão ou intervisão com colegas.
• Investir em formação contínua.
• Cuidar de sua saúde física e emocional.
Prática de autocuidado: Estabeleça um "Círculo de Apoio" com colegas educadores para compartilhar desafios, sucessos e aprendizados na implementação da abordagem sistêmica.
Transformando a prática: Pequenos passos, grandes mudanças
Incorporar a Pedagogia Sistêmica à prática educativa não requer uma revolução imediata, mas sim pequenas mudanças consistentes que, com o tempo, transformam profundamente a experiência educacional:
1. Comece por você mesmo
Antes de tentar aplicar técnicas sistêmicas com alunos ou famílias, trabalhe seu próprio olhar e postura:
• Pratique a observação sem julgamento.
• Reflita sobre sua história educacional e familiar.
• Identifique seus próprios padrões e gatilhos.
• Cultive a capacidade de ver além do aparente.
2. Transforme sua linguagem
A linguagem que utilizamos molda nossa realidade. Pequenas mudanças no modo de falar podem ter impactos profundos:
De: "Este aluno é problemático." Para: "Este aluno está me mostrando algo importante através de seu comportamento."
De: "Os pais não se importam com a educação do filho." Para: "Ainda não encontrei a melhor forma de conectar com esta família."
De: "Preciso corrigir este comportamento." Para: "Preciso compreender o que este comportamento está comunicando."
3. Crie rituais sistêmicos
Pequenos rituais podem fortalecer o sentimento de pertencimento e ordem:
• Círculos de boas-vindas no início do dia.
• Celebrações de conquistas individuais e coletivas.
• Momentos de gratidão e reconhecimento.
• Rituais de transição entre atividades.
Conclusão: O educador como agente de transformação sistêmica
Quando o educador incorpora os princípios da Pedagogia Sistêmica em sua prática diária, torna-se um verdadeiro agente de transformação – não apenas transmitindo conteúdos, mas contribuindo para a cura e fortalecimento de todo o sistema que envolve o aluno.
Esta transformação não acontece da noite para o dia, nem depende de condições ideais. Ela começa com um novo olhar, uma nova postura e pequenas mudanças consistentes que, com o tempo, criam ondas de transformação que se expandem muito além da sala de aula.
O educador sistêmico compreende que, ao honrar o pertencimento, a ordem e o equilíbrio em sua prática, não está apenas melhorando resultados acadêmicos – está contribuindo para a construção de relações mais saudáveis, comunidades mais inclusivas e gerações futuras mais conscientes de suas raízes e potencialidades.
Comentários