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Inclusão escolar na perspectiva sistêmica: além das adaptações curriculares


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A inclusão escolar é um tema amplamente discutido na educação contemporânea, geralmente focando em adaptações curriculares, recursos especializados e formação docente. Embora essas dimensões sejam fundamentais, a Pedagogia Sistêmica nos convida a expandir esse olhar, considerando as dinâmicas invisíveis que podem facilitar ou dificultar o verdadeiro pertencimento de alunos com necessidades educacionais especiais.


Inclusão além das adaptações técnicas


Na perspectiva sistêmica, a verdadeira inclusão vai muito além de rampas de acesso, materiais adaptados ou currículos diferenciados. Ela envolve o reconhecimento profundo do direito de pertencimento de cada aluno, independentemente de suas características, e a compreensão das dinâmicas familiares que podem influenciar sua jornada educacional.


O lugar da criança com necessidades especiais no sistema familiar


Antes de ser um aluno com necessidades especiais na escola, a criança ocupa um lugar em seu sistema familiar. Esse lugar é permeado por expectativas, medos, histórias anteriores e, muitas vezes, por um desejo profundo de proteção. Compreender esse contexto é fundamental para uma inclusão efetiva.


Dinâmicas familiares comuns


Superproteção: Muitas famílias, movidas pelo amor e pelo medo, desenvolvem padrões de superproteção que podem limitar o desenvolvimento da autonomia da criança.


Expectativas ajustadas: Algumas famílias passam por um processo de ajuste de expectativas, que pode incluir luto pelo "filho idealizado" e aceitação do "filho real".


Sobrecarga de um dos pais: Frequentemente, um dos pais (geralmente a mãe) assume a maior parte da responsabilidade pelo cuidado da criança, gerando desequilíbrios no sistema familiar.


Impacto nos irmãos: Irmãos de crianças com necessidades especiais podem desenvolver sentimentos complexos, desde responsabilidade precoce até ressentimento pela atenção diferenciada.


Aplicando o olhar sistêmico na inclusão escolar


1. Honrar o sistema familiar


Para educadores:


• Reconhecer que os pais são os primeiros especialistas sobre seus filhos.

• Evitar julgamentos sobre as escolhas familiares.

• Incluir a sabedoria familiar no planejamento educacional.


Exemplo prático: Em reuniões de equipe multidisciplinar, iniciar perguntando aos pais: "O que vocês, que conhecem profundamente seu filho, percebem que funciona melhor para ele?"


Para pais:


• Compartilhar com a escola estratégias que funcionam em casa.

• Reconhecer o conhecimento técnico dos educadores.

• Buscar uma parceria equilibrada, sem delegação total nem controle excessivo.


2. Trabalhar com as Ordens do Amor na inclusão


Lei do Pertencimento


Para educadores:


• Criar rituais de acolhimento que evidenciem que todos pertencem à comunidade escolar.

• Garantir que adaptações não isolem o aluno do grupo.

• Promover atividades que valorizem diferentes habilidades.


Exemplo prático: Implementar um "Círculo de Pertencimento" semanal, onde cada aluno compartilha algo que aprendeu ou ensinou a um colega, evidenciando que todos têm algo a contribuir.


Para pais:


• Participar ativamente da comunidade escolar.

• Compartilhar com outros pais experiências e desafios.

• Apoiar eventos inclusivos na escola.


Lei da Ordem (Hierarquia)


Para educadores:


• Respeitar a hierarquia familiar nas decisões sobre a criança.

• Reconhecer a experiência de profissionais que atenderam o aluno anteriormente.

• Estabelecer clareza sobre papéis e responsabilidades na equipe educacional.


Para pais:


• Respeitar o papel dos educadores no ambiente escolar.

• Manter comunicação clara sobre terapias e intervenções externas.

• Colaborar com a equipe escolar sem assumir seu papel.


Lei do Equilíbrio (Dar e Receber)


Para educadores:


• Equilibrar apoio com estímulo à autonomia.

• Reconhecer e valorizar os esforços da família.

• Evitar fazer pela criança o que ela pode fazer sozinha.


Para pais:


• Reconhecer o trabalho dos educadores.

• Participar ativamente do processo educacional.

• Permitir que a criança enfrente desafios apropriados.


3. Reconhecer e trabalhar com emaranhamentos sistêmicos


Na perspectiva sistêmica, algumas dificuldades na inclusão podem estar relacionadas a emaranhamentos ou dinâmicas não resolvidas no sistema:


Identificação com membros excluídos: Às vezes, a criança com necessidades especiais pode estar inconscientemente identificada com alguém que foi excluído do sistema familiar.


Interrupção de movimentos amorosos: Quando os pais sentem culpa ou responsabilidade excessiva pela condição do filho, podem surgir dinâmicas que dificultam o desenvolvimento da autonomia.


Lealdades invisíveis: A criança pode estar sendo leal a padrões familiares de limitação ou superação.


Intervenções sistêmicas para uma inclusão mais profunda


Frases sistêmicas para educadores


1."Vejo você exatamente como é, e seu lugar aqui está garantido."

2."Respeito profundamente seus pais e o amor deles por você."

3."Cada um tem seu próprio caminho e seu próprio tempo."

4."Confio na sua capacidade de enfrentar desafios apropriados."

5."Estamos juntos nesta jornada, cada um em seu lugar."


Rituais de inclusão com base sistêmica


Círculo de Histórias Familiares: Criar oportunidades para que todos os alunos compartilhem histórias de suas famílias, valorizando a diversidade de origens e experiências.


Celebração de Conquistas Individuais: Reconhecer publicamente os avanços de cada aluno, considerando seu próprio ponto de partida e não comparações externas.


Mural "Todos Pertencemos": Criar um espaço visual onde cada aluno contribui com algo que representa sua singularidade e pertencimento ao grupo.


Estudo de Caso: Uma abordagem sistêmica da inclusão


Situação: Fernanda, 8 anos, com Transtorno do Espectro Autista, apresentava dificuldades significativas de integração em sua nova escola. Apesar de todas as adaptações técnicas implementadas, permanecia isolada e resistente às atividades.


Olhar sistêmico: Em conversas com a família, descobriu-se que a avó materna de Fernanda havia sido institucionalizada na infância por "comportamento estranho" (provavelmente também TEA não diagnosticado). Este era um tema tabu na família, carregado de vergonha e silêncio.


Intervenção: A equipe escolar, com orientação sistêmica, trabalhou em duas frentes:


1.Com a família: Reconhecimento da história da avó e como Fernanda, de certa forma, trazia à luz uma história familiar não resolvida.


2.Na escola: Criação de um "Espaço de Pertencimento" na sala, onde Fernanda podia se retirar quando sobrecarregada, mas continuava visível e parte do grupo.


Resultado: À medida que a família começou a falar abertamente sobre a avó, honrando sua memória e reconhecendo as semelhanças com Fernanda, a menina gradualmente se sentiu mais segura para participar da vida escolar. O "Espaço de Pertencimento" foi eventualmente utilizado por outros alunos também, tornando-se um recurso para toda a turma.


Desafios e limitações da abordagem sistêmica na inclusão


É importante reconhecer que a abordagem sistêmica não substitui intervenções técnicas específicas, adaptações curriculares ou terapias especializadas. Ela complementa essas práticas, oferecendo um olhar mais amplo sobre os fatores que influenciam o processo de inclusão.


Alguns desafios incluem:


• A necessidade de formação específica em Pedagogia Sistêmica.

• O tempo necessário para compreender as dinâmicas familiares.

• A resistência de alguns profissionais a abordagens que vão além do técnico-pedagógico.

• A dificuldade em mensurar resultados imediatos.


Conclusão


A Pedagogia Sistêmica oferece uma dimensão profunda e complementar às práticas tradicionais de inclusão escolar. Ao reconhecer que cada aluno é parte de um sistema familiar com suas próprias histórias, dinâmicas e lealdades, podemos criar ambientes verdadeiramente inclusivos, onde o pertencimento vai além da presença física ou das adaptações técnicas.


Quando educadores e pais trabalham juntos com este olhar ampliado, a inclusão deixa de ser apenas um conjunto de práticas pedagógicas e se torna um movimento de reconhecimento profundo da dignidade e do lugar de cada ser humano, com suas singularidades, no sistema escolar e na sociedade como um todo.

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